terça-feira, dezembro 05, 2006

As argumentações de uma avó para não ser arrastada da sua casita

Tudo começou no dia de finados, quando a minha avó foi ao cemitério, e o meu padrinho que não é lá muito certo, decidiu atropelar-lhe o pé enquanto ela tentava entrar para o carro. Claro está que não foi ao hospital, e passados três dias é que elas lhe começaram a morder! Lá foi o meu tio arrastá-la até ao médico, mas o sr. diz que ela tinha artrose. Como não melhorava foram a outros mas entre artrose e ciáticas ninguém se entendeu e não saíram dali, e quem se lixa é o mexilhão (neste caso a minha avó) que continua cheia de dores. Aliás ela está que nem pode! E não pode mesmo nada. Nem andar, nem sentar-se, nem levantar-se, etc...
No fim de semana passado fomos lá a casa visitá-la e fazer um excursão familiar (éramos só 12), ainda pensámos em alugar um autocarro mas só havia pequeno ou grande demais e então lá fomos nós numa caravana de 3 carros. Eu que no dia antes dei 500 sermões para não se atrasarem, fui logo a 1.ª a chegar tarde, que a minha Bá esqueceu-se da sua Joana, e lá voltámos para trás ainda a viagem não tinha começado. Ainda assim não fomos os últimos, que a família Jorge (pronto! parte dela) não podia deixar cair o seu prestigio em mãos alheias e até o diabo se ria se não fossem beber um cafezito antes de chegar ao local de partida.
Atrasos à parte, lá arrancamos já eram mais 10h00 que 09h00. O meu pai com a mania de pôr o pezinho no acelador, desapareceu num ápice, os outros decidiram segui-lo e quando demos por ela, a caravana éramos só nós. Isso é que nós nos ralámos! A vingança come-se fria, e por falar em comer o renato já andava a congeminar desde o dia anterior, numas sandochas de leitão que há ali no IP3, bem dito bem feito! Eu ainda não estava lá muito recomposta da minha paragem de digestão do dia anterior, mas uma sandes de leitão fala mais alto do que todas as mazelas.
Agora a parte da vingança: a 1.ª coisa que fizemos foi tirar fotos às sandochas e enviar ao pessoal que nos abandonou, passado 3 dias ainda não nos tinham perdoado. Foi a 1.º sandes de leitão que comi na vida e soube-me que nem ginjas. O certo é que eles chegaram ao destino galgados de fome e nós atrasados mas aconchegadinhos, é o que faz ser esperto (e por sinal no nosso carro, só viajavam espertinhos!) Quando lá chegámos, eles estavam a planear o contra ataque, que era esconder-nos a sopa e resto da comidinha que lá tinham, mas nós íamos tão satisfeitinhos que não lhe valeu de nada a ideia. A minha avó lá continuava toda empandeirada, mas satisfeita com a confusão e movimento lá em casa! Não há nada como o regresso a casa dos filhos, netos, bisnetos e amigos, para deixar qualquer avó satisfeita.
O fim de semana lá foi passando, com muita agitação e diversão, comida e bebida com fartura(como diz o Renato: ali come-se e descansa-se e depois volta-se a descansar e a comer, e sempre assim repetidamente), noitadas de poker e muita conversa, na mesa das brasas da minha avó (que maravilha), e algum passeio. Eu pessoalmente sai pouco mas vi a coisa mais fantástica que já tinha visto em toda a minha vida (uma Santa dentro de um extintor) sim, sim foi mesmo isso que vi à porta do quartel dos bombeiros da aldeia ao lado da nossa. Tirámos uma foto mas ainda não dá para pôr hoje, mas prometo que assim que a tiver vou publicá-la, porque coisas destas são para partilhar com todo o mundo. Por acaso até gostava de conhecer a mente que concebeu esta ideia! E mais até vou afixar uma foto dela aqui no "meu" quartel. Quero ver a cara aqui do bombeiral. Vai ser uma moca! Talvez até a mande ao meu amigo Zé Gaio para a publicar no Jornal dele! Sim porque esta imagem é digna disso e muito mais. Então a minha mãe que só saiu de casa 1 dia para ir às alheiras fez questão da visitinha guiada para ver a afiguração. Foi lindo!!!
No sábado á tarde foi tudo para o passeio e ficámos em casa eu, o Renato, as miúdas, a minha mãe, o meu tio e a minha avó. Então sentámo-nos á volta da mesa das brasas e começámos com a difícil e árdua tarefa de convencer a Samarquinhas (nome pelo qual a minha avó é mundialmente conhecida, quando está a variar) a vir para casa connosco, pois não estava em condições de ficar ali no fim do mundo sozinha. Aqui começam as fantásticas, extraordinárias e brilhantes argumentações de uma avó, que está a ser contrariada.
Argumentações 1.ª fase:
Arg. Não posso ir por causa da apanha da azeitona.
Resp. Mas não és tu que a apanhas, é o sr. António Júlio!
Arg. Mas tenho que lhe dar os panos da Azeitona.
Resp. Dá-lhos o tio!
Arg. Mas ele pode não poder vir cá nesse dia.
Resp. Pedes à Leonor que cá venha!
Arg. Não posso abusar das pessoas.
(o meu tio interveio e disse que ia lá de certeza. 1.º problema resolvido)

Argumentações 2.ª fase:
Arg. Tenho que ir ao médico no dia 19 ao control de sangue.
Resp. Podes fazer no hospital de lá!
Arg. Mas tenho que telefonar a avisar, e é fim de semana.
Resp. Podes telefonar de lá na 2.ª que isso é só a 19!

Argumentações 3.ª fase:
Arg. Não vou caber no carro, por causa das meninas.
Resp. vais sim, que muda-se uma menina para outro carro!

Argumentação 4.ª fase:
Arg. Mas gosto da minha casa.
Resp. Nós sabemos!
Arg. Não quero ir para lá tão cedo!
Resp. Tem que ser, estás doente, ainda cais para aí e nunca mais te levantas, depois queremos ver como é?
Arg. Não quero ir para lá, porque não posso fazer nada.
Resp. Por não poderes é que tens de ir.
(calou-se, por instantes)

Argumentações 5.ª fase: (a mais linda de todas, o exponente máximo das argumentações)
Arg. O meu cartão da segurança social não dá para lá.
Resp. Riso, muito riso. (se ela fosse uma avozinha de aldeia inculta, eu até me controlava, mas não, ela própria já não conseguia encontrar desculpas, e lembrou-se de pôr distrito, concelho e freguesia, no cartão). Calmamente expliquei, para não haver duvidas que o cartão dá em todo o lado, e que ainda no ano passado quando foi comigo á Dinamarca o cartão dava na mesma.
Começou a chorar, ou a fingir que chorava, lágrimas de crocodilo, disse-lhe eu! Argumentou mais e mais e mais sem parar. No fim olhou para mim meio zangada e disse: "sei muito bem que o cartão da seg. social dá em todo o lado."

Argumentação 6.ª fase:
Arg. Tenho muitas coisas para levar e que telefonar a muitas pessoas a dar recados e vou -me esquecer de tudo.
Resp. Fazemos-te uma lista, para não esqueceres nada.
Eureka!!! (ultrapassadas todas as argumentações, mas ainda com cara de abandonada, lá concordou). Foi de facto uma tarefa difícil, esta!
No dia seguinte, lá rumámos todos a casa, com a avozinha no carro é claro! No caminho ainda demos uma benece aos outros e ensinámos-lhes a tasca das sandes de leitão. (ou nunca nos perdoavam). Mas ela (a avó) não muda! Ontem á noite a minha mãe telefonou-me e disse que ela estava melhor. Logo a seguir ela veio ao telefone e disse que não estava nada melhor (é uma fiteira esta avó) dores à parte, disse logo que eu não ia visitá-la (desde o dia anterior, note-se) e que precisa de um jeitinho nos pés. Queria esta mimada ficar lá em cima, sozinha sem se poder mexer.
Argumentações e dores à parte, concretizámos o objectivo de arrastar a Samarquinhas e a viagem foi fantástica, e isso é que interessa!